segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Eurobonds e a solidariedade europeia aos países em crise

Sabemos as dificuldades recentes que Portugal enfrentou e enfrenta, tendo o seu ponto alto na aprovação do mega empréstimo internacional ao nosso país. Esse empréstimo teve como garantia, além do compromisso do Estado Europeu no seu reembolso, a assunção de várias responsabilidades, vertidas no Memorando de Entendimento com a designada Troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional, as duas últimas as entidades que emprestaram o dinheiro que desesperadamente precisávamos) - daí resultaram os cortes sociais, as privatizações, os aumentos de impostos, etc..(versão detalhada em http://aeiou.expresso.pt/leia-o-memorando-da-itroikai-finalmente-lancado-em-portugues=f650474)

Sabemos também que a Grécia está numa situação pior do que a nossa, a Irlanda um pouco melhor - estes dois mais Portugal já beneficiaram dos empréstimos. Na calha parecem estar, pelo menos, a Espanha e a Itália, com a Bélgica numa segunda linha. Como não há dinheiro para todos, começou a falar-se nas Eurobonds como a solução.

Ora, o que são as Eurobonds? A melhor definição, simples e clara, encontrei-a em http://www.ptjornal.com/201109012571/dicionario-do-povo/o-que-sao-os-eurobonds.html

Assim, «os eurobonds são títulos de dívida pública europeus, feitos de forma centralizada, vistos como possível solução para as crises de dívida dos países mais vulneráveis e em maiores dificuldades.Em vez de haver dívida pública da Alemanha, de Espanha, da Grécia, ou de Portugal, haveria uma única dívida, comum a todos os países da Zona Euro. A criação de eurobonds privilegia os países com maiores crises de dívida, ou países em graves dificuldades financeiras, porque permite melhores taxas de juro nas emissões de obrigações do tesouro para os países com mais dificuldades. As economias mais fortes, com rating elevado (como o caso da Alemanha), ajudariam países como Portugal ou a Grécia, com rating baixo, a suportar a crise, uniformizando as taxas de juro nessa emissão de obrigações.»

Não parecendo haver dúvida sobre a valia desta solução, porque será que países como a Alemanha, a Finlândia e a Holanda estão renitentes? Concordam, até pelos seus próprios interesses - os seus bancos privados e centrais têm muita dívida pública dos países em risco, e todos eles exportam para estes, não lhes sendo úteis a sua (deles) falências, pois deixariam de poder comprar-lhes os seus produtos - mas ainda não deram o passo em frente. Correndo o risco de ser pouco patriota, compreendo-os, pois
confesso que tenho sentimentos ambivalentes relativamente a este assunto: se por um lado concordo que parece ser a única solução, exigida pelos mercados para salvar o euro (essencial à sobrevivência da Europa e consequentemente da nossa), por outro parece que estamos a nacionalizar (ou "eurolizar"), assumindo todos as asneiras de alguns (nomeadamente as nossas).

Isto é, sei que as economia são diferentes, as moedas pré-euro eram diferentes, as dinâmicas socioeconómicas são diferentes. Porém, ainda não consegui ver como se vai operacionalizar, ou seja, que garantias serão dadas aos investidores indiretos (os governos à partida aceitarão a mera garantia do Estado "em queda" que pagará, os bancos e as agência de rating duvido) e como se evitará que governos mais populistas cometam erros, pois saberão que por trás estará sempre a "mão europeia". Consequentemente, a única forma que vejo de garantia é assumir, formal e expressamente, a perda de soberania económica - o orçamento e a sua execução serem acompanhados, com poderes vinculativos, pela Comissão Europeia ou o Banco Central Europeu. Estaremos dispostos a isto? Gostaria de ver este aspeto discutido na sociedade e, porque não, submetido a referendo.

Concordando em absoluto quando é referida a necessidade de pensar europeu em detrimento de sentimentos nacionais ("Não sou nem ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo", como dizia Sócrates há 25 séculos), o pensar europeu implica assumir responsabilidades perante os outros, quando estes demonstram solidariedade connosco. Só se deve ser solidário quando quem recebe esse apoio demonstra vontade de o aplicar eficientemente e, sobretudo, evitar a necessidade futura de nova solidariedade ("não lhe dês o peixe, ensina-o a pescar" - provérbio chinês).

Para tal, e como também concordo com a necessidade de garantir o bem estar atual e futuro dos europeus, é-me impossível descortinar como iremos lançar os alicerces das eurobonds sem aprofundar a integração europeia até chegarmos ao federalismo económico e financeiro - leia-se, os orçamentos nacionais serem validados e acompanhados vinculativamente por uma entidade supranacional. Como desde sempre defendi que as perdas de soberania devem ser aprovadas por um dos pilares do Estado-Nação, o Povo (devíamos ter referendado a entrada na então CEE; devíamos ter referendado Maastricht; devíamos ter referendado Lisboa), é-me lógico a necessidade de referendar. A impossibilidade constitucional de referendar tratados internacionais é uma falácia - retira-se da Constituição e já está, como fazem vários Estados Europeus bem mais desenvolvidos do que nós - Irlanda, por exemplo.

Outro argumento utilizado para não referendar é dizer que não referendámos a entrada e os tratados subsequentes é ainda mais ilógico - cometemos um erro, repetimo-lo e continuaremos a repeti-lo porque o procedimento habitual foi esse.

O terceiro é ainda mais elitista, que é referir que é uma temática demasiado técnica para ser deixada nas mãos de quem não está habilitado suficientemente para decidir. Não vou fazer aos nossos deputados o que dos seus congéneres americanos disse Mark Twain ""Leitor, suponha que você seja um idiota. Aliás, suponha que você seja um membro do Congresso. Bolas, estou a repetir-me". Mas assumo que considero que uma parte substancial da nossa Assembleia da República não dominará tecnicamente esta temática, o que não os impedirá de levantar-se aquando da sua indicação de voto. Logo, se estes não sabem e votam, porque não poderá o Povo votar, sendo para tal previa e intensamente informado, para decidir em consciência?

Sérgio Fernandes

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