terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Às vezes perguntamo-nos o que andamos a fazer, porque o fazemos, ou se algo faz sentido. Às vezes temos dúvidas, pomo-nos em causa e somos postos em causa pelos outros. Às vezes abanamo-nos, outras vezes abana-nos a vida. E é nessas alturas que percebemos mais claramente se as coisas fazem ou não sentido.

Vem isto a propósito daquilo que faço todos os dias: trabalhar num Centro Novas Oportunidades. Já lá vão mais de cinco anos que também eu agarrei esta oportunidade. Do início. Assisti ao nascer de um Centro. Tudo era novo, para mim e para as pessoas com quem trabalhei. Todos os aspectos tiveram de ser pensados. Uns sozinhas, outros pelo velho método da tentativa-erro, outras ainda com a precisosa ajuda de pessoas excelentes que encontrámos noutros Centros. Tudo acabou por correr bem. A iniciativa Novas Oportunidades ainda não estava lançada, eramos apenas um Centro RVCC. Estavámos, ainda, em ambiente protegido. A escala era bem mais pequena. Mas desse tempo até hoje, muita coisa mudou. Hoje toda a gente fala das Novas Oportunidades e muita gente tem uma opinião. Uns com conhecimento de causa, outros porque ouviram dizer. Eu sei o que se passa no meu Centro. Eu sei o que tenho visto nestes últimos cinco anos e meio. Porque os tenho vivido por dentro. Desde a dimensão que a Iniciativa ganhou, às mudanças que têm ocorrido nas estruturas centrais, na legislação e nas orientações técnicas. Ao alargamento das equipas, ao alargamento das ofertas de certificação. À dificuldade de implementar uma vertente de certificação profissional, para a qual o sistema ainda não está preparado. Às perguntas fundamentais a que ninguém me sabe responder. Às dúvidas existenciais sempre que leio críticas destrutivas (algumas que me dão vontade de rir pelo desconhecimento que manifestam). Às dúvidas sobre a importância e validade daquilo que eu e uma equipa de 14 pessoas fazemos diariamente. E aos muitos esforços pessoais que isso implica. É impossível não me questionar. Tudo isto valerá a pena?

Às vezes preciso de parar. De me afastar e observar. De olhar para os números. Porque eles também me dizem alguma coisa. E percebo que apesar de estarmos no terreno há 8 anos, as inscrições continuam a chegar-nos. As pessoas continuam a sair com um sentimento de satisfação pelo diploma que conseguiram. A dizer que valeu a pena. E quase metade dos que daqui saem com um diploma, continuam a procurar a formação. Que lhes enriqueça a experiência de vida, que lhes abra mais horizontes. Alguns já o faziam, outros descobrem-no agora. E mesmo aqueles que anseiam pelo dia de Júri para poderem guardar o dossier lá em casa, como se de uma herança premeditada se tratasse, mesmo esses já perceberam que afinal a vida tem outras possibilidades. Esses até passaram a ter um computador em casa ou simplesmente perderam o medo de lhe mexer. Porque o computador era para o filho, ele é que anda na escola. Mesmo esses perceberam que afinal até conseguem escrever um texto, ler um livro, fazer uma pesquisa, perceber uma lei da física. Mesmo alguns desses resolveram um medo que persistia, o da escola. E com ele o de não ser capaz.

E é nestes momentos que percebo que afinal as minhas angústias e dúvidas existenciais não são nada. Porque tudo isto tem um alcance bem maior. Neste momento são já mais de 900.000 os inscritos nos Centros Novas Oportunidades. Sem contar com as inscrições directas em Cursos de Educação e Formação de Adultos. Algum programa de ensino neste país conseguiu esta mobilização? Quantas destas pessoas ainda pensavam voltar à escola? Quantas destas pessoas deixariam a rotina das suas vidas para se proporem a esta experiência, que também lhes traz angústias e dúvidas existenciais? Porque mexe com elas, porque mexe nas rotinas instaladas.

Alguma coisa estas pessoas procuram e alguma mudança este movimento há-de trazer. E é por isso que eu acredito que o meu trabalho vale a pena. O meu e o das restantes pessoas com quem trabalho todos os dias e que dedicam muito do seu empenho e tempo pessoal. Porque o fazem com dedicação. Afinal, é a vida das pessoas que é a nossa matéria-prima. E isso toca-nos.

Mal de nós se a aprendizagem se limitasse aos bancos da escola. Aí construímos as bases. As verdadeiras competências, as mais sólidas, as que perduram, fazem-se na escola da vida. São processos que se completam e não concorrentes.

Um grande bem-haja a todos os que não param e que continuam a sonhar. Mesmo com angústias e dúvidas existenciais. Não é isso que nos move?

Célia Silva (Coordenadora do CNO)

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