sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Por amor a uma causa

Este texto NÃO é de minha autoria. Partilho-o com a devida autorização da autora, Lurdes Moura, TDE no CNO da EB2,3 D. Afonso, IV Conde de Ourém. Está de tal maneira bem escrito e com uma conclusão tal que subscrevo-o inteiramente.

«Num qualquer dia desta semana, saí da escola por volta das 18 horas e percorri os 35 km habituais para ir buscar a minha filha ao colégio e levá-la ao ballet. O saco do ballet continha, para além das roupinhas, dois pães de leite, um queque e uma garrafinha de água. A minha filhota costuma sair da aula faminta, mas o motivo do lanche tardio era outro: Naquele dia, depois do ballet não iríamos para casa, pois eu voltaria à escola, e sem alternativa, teria de levar a minha filha comigo. Assim que a aula terminou, ajudei-a a trocar de roupa, e por volta das 19 horas e 20 minutos seguimos viagem, percorrendo mais 35 km com o objetivo de realizar uma sessão de diagnóstico a uma única adulta nessa noite. Poderia ter desmarcado a sessão, mas não o fiz. Para essa decisão, contribuiu a dificuldade de contacto anterior com a adulta, impedimentos de ordem pessoal, que a impossibilitaram de comparecer no Centro até essa data, não esquecendo a imperatividade do cumprimento de prazos estipulados pela legislação referente aos adultos desempregados!

Minutos antes das 20 horas chegámos à escola. À entrada, um colega que saía, obervou: “Que frio! Isto não é noite para uma mãe sair de casa com a filha!" Após uma breve troca de palavra, seguimos, ele em direção a sua casa e nós, em direção ao Centro Novas Oportunidades.

Alguns minutos depois chegou a adulta para a realização da sessão de diagnóstico. A Isabel (nome fictício) tem 43 anos e 4 filhos, com idades compreendidas entre os 6 e os 17 anos. Oriunda de um bairro pobre de uma cidade grande, frequentou a escola até concluir o 4.º ano de escolaridade. Tratando-se da filha mais velha, tornou-se “mãe” dos seus irmãos mais novos, tendo sido incumbida da generalidade das tarefas domésticas e responsabilidades parentais. Durante os anos que lhe restaram da sua infância, a Isabel esqueceu muito do pouco que aprendeu na sua curta passagem pela escola. Raramente leu ou escreveu, pois isso não lhe foi exigido, nem permitido, em primeiro lugar pela família e posteriormente pelas suas atividades profissionais.

Quando a Isabel iniciou o preenchimento do cabeçalho da Ficha de Diagnóstico, a agradável caligrafia do cabeçalho, não fazia prever as dificuldades que se seguiam. Constatei que a adulta não consegue ler nem escrever de forma minimamente correta, uma frase simples. Manifestou, em relação a isso, profunda tristeza e muita vontade de, pelo menos, aprender a ler.

A iniciar mais 35 km de regresso a casa, a minha filha, na ingenuidade dos seus seis anos, perguntava-me: “Mamã, quando aquela senhora era pequenina não havia escolas?”. Eu respondi-lhe que sim, mas que aquela senhora não teve a oportunidade de estudar, e fui-lhe explicando os motivos de forma a que ela entendesse. “Tenho muita pena dela, mamã.” Expliquei-lhe que aquela senhora terá a possibilidade de aprender a ler e a escrever na minha escola ou em outra escola, porque a escola também serve para ensinar os adultos”. Após um minuto de silêncio acrescentou: “Mamã, os adultos vêm à escola à noite, porque de dia têm que trabalhar, não é? Ainda bem, senão não podiam aprender”.

Encaminharei esta adulta, à semelhança de outros na mesma situação, para o Programa de Formação em Competências Básicas, com a duração de 300 horas, para que lhe seja possível adquirir competências mínimas de Linguagem e Comunicação, Matemática para a Vida e TIC, que posteriormente permitam a integração num percurso EFA B2, para concluir o 6.º ano e quem sabe, posteriormente o 9º, preferencialmente pela via da dupla certificação.

Ela aproveitará essa oportunidade, se ela existir. Nos seus olhos ficou o brilho da esperança de aprender a ler e a escrever e talvez, posteriormente, concluir o 6.º ano.

Pergunto: alguém terá a coragem de dizer que esta adulta, de 43 anos, não merece essa oportunidade? Que não vale a pena o investimento? Milhares de portugueses(as) com dezenas de anos de vida ativa pela frente e excluídos do mercado de trabalho precisam desta oportunidade! Pela justiça social, pelo desenvolvimento do país, na parte que me compete não deixarei de acreditar, não deixarei de lutar contra o preconceito!»

Sérgio Fernandes

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